Com o atraso de uma
parcela o banco já poderá mover ação de busca e apreensão, basta que ele
constitua em mora o devedor, conforme previsão do art. 3° da Lei 10.931/2004. A
constituição em mora ocorre em regra por meio de envio de carta para o endereço
do devedor. Portanto, não há exigência de número mínimo de parcelas atrasadas.
Quanto à segunda questão, atualmente
se ocorrer a busca e apreensão não é mais possível o pagamento apenas das
parcelas vencidas pra reaver o bem, é preciso pagar toda a dívida, ex. em um
financiamento de 36 parcelas, se na décima ocorreu busca e apreensão decorrente
de atraso no pagamento, o devedor para reaver o carro terá que pagar as
atrasadas bem como as 26 parcelas que estão por vir. Muitos Tribunais estaduais
resistiam a esse entendimento, principalmente o de Minas Gerais, o qual até
recentemente entendia que “a purga da mora se realiza com o depósito das
parcelas vencidas, incluindo as vencidas no curso do processo, sendo inexigível
o pagamento integral, sob pena de desequilíbrio do ajuste em prejuízo demasiado
para a parte mais fraca, no caso, o consumidor”. Entretanto, teve que também se
curvar ao entendimento do Tribunal Superior de Justiça (STJ) o qual no recurso
especial repetitivo 1.418.593/MS/2014, interpretando a Lei 10.931/2004, estabeleceu
que compete ao devedor no prazo de
cinco dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão pagar a
integralidade da dívida para poder reaver o bem.
Portanto,
parece certo que se uma pessoa estava tendo dificuldade para pagar as parcelas
é pouco provável que consiga juntar dinheiro para pagar o total da dívida.
Note-se também que após a busca e apreensão se no leilão do carro o valor
obtido não for suficiente para pagar a dívida, o devedor continuará
pessoalmente obrigado a pagar o saldo devedor, é previsão do art. 2°, § 5°, da
Lei 10.931/2004. Desse modo, verificada a
impossibilidade de pagamento, tentar um acordo, transferir o financiamento,
vender o carro, etc., parece serem alternativas a serem pensadas, considerando-se
que se a busca e apreensão ocorrer o carro será leiloado em regra por valor
abaixo dos praticados no mercado.
Quanto à terceira questão,
relativa à possibilidade de busca e apreensão se já pagas quase todas as
parcelas, verifica-se que os bancos em regra não são sensíveis a isso, buscarão
realizar busca e apreensão, leiloar o carro pelo valor que conseguirem, e
restituir eventuais sobras de valores. Porém, judicialmente é possível
trabalhar com a teoria do adimplemento substancial. Com base nessa teoria se um
contrato já foi cumprido de maneira substancial, ou seja, quase de maneira
integral, ele deve ser mantido. Com base nisso os Tribunais decidem, em regra,
que se mais de 80% das parcelas do financiamento já foram pagas, houve
cumprimento substancial e por isso não é cabível busca e apreensão e o banco
deve cobrar o restante do débito por outros meios. São várias as decisões nesse
sentido.
Por fim, interessante mencionar
que a teoria do adimplemento substancial teve origem na Inglaterra, teria nascido
do caso Boone vs Eyre, do ano de 1779. Segundo o Ministro do STJ Carlos Antonio
Ferreira, o Eyre comprou de Boone uma fazenda com tudo o que nela havia,
inclusive os escravos que nela moravam e trabalhavam. Eyre pagaria 500 libras e
uma renda anual perpétua de 160 libras. Porém, Boonne não pôde transferir os
escravos pois estes na verdade não eram seus. Por causa disso Eyre deixou de
pagar a renda anual. Boone propôs ação de cobrança e o tribunal entendeu que o descumprimento
do dever de transferir os escravos não era suficiente para romper o contrato, o
contrato havia sido cumprido substancialmente e deveria ser mantido e
determinou que Eyre continuasse pagando a renda anual.
Já a alienação fiduciária,
instituto por meio do qual o comprador adquire a posse direta do bem mas deixa
a propriedade com o vendedor, de modo que o comprador só terá a propriedade quando
terminar de pagar a dívida (note-se que quando a pessoa financia um carro ela
não tem a propriedade enquanto não terminar de pagá-lo), teria tido origem na
Roma Antiga. Lá houve época, segundo a Lei das XII Tábuas, em que o credor
podia se apoderar do corpo do devedor para cobrar a dívida. Na tábua número
cinco constava: “Se não paga e ninguém se
apresenta como fiador, que o devedor seja levado pelo seu credor e amarrado
pelo pescoço e pés com cadeias com peso até o máximo de 15 libras, ou menos, se
assim o quiser o credor. O devedor preso viverá à sua custa, se quiser; se não
quiser o credor que o mantém preso dar-lhe-á por dia uma libra de pão ou mais,
a seu critério. Se não há conciliação, que o devedor fique preso por 60 dias,
durante os quais será conduzido em 3 dias, de feira ao comitium, onde só
proclamará em altas vozes, o valor da divida. Se são muitos os credores, é
permitido, depois do terceiro dia de feira, dividir o corpo do devedor em
tantos pedaços quantos sejam os credores, não importando cortar mais ou menos;
se os credores preferirem, poderão vender o devedor a um estrangeiro, além do
Tibre”. Com o passar do tempo essa maneira de cobrança restou superada,
então adveio a necessidade de proteger o credor contra os calotes dos
devedores. Dessa necessidade teria surgido a fiducia cum creditore,
por meio da qual, segundo Carlos Roberto Gonçalves, o devedor transferia, por
venda, bens seus ao credor, com a ressalva de recuperá-los se, dentro em certo tempo,
ou sob dada condição, efetuasse o pagamento da dívida.